Diferentes identidades: o que é gênero?

símbolos de sexo e gênero geralmente mostrados em banheiros
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Escrito por

Seth Zanette

Dr. João Arthur Brunhara Alves Barbosa
Revisado por

Dr. João Brunhara

CRMSP 161.642
Última atualização

6 de julho 2023

Quando se fala em gênero, muitas pessoas já se retraem, torcem os narizes e querem sair correndo. A falta de conhecimento ou mesmo interesse no assunto pode levar a falsas informações sendo divulgadas e, mais do que isso, a intolerâncias e ódios se espalhando.

Por isso, hoje vamos falar sobre esse assunto de forma direta e responder algumas das principais dúvidas sobre gênero. Vem descobrir mais junto com a Omens!

O que é gênero?


Essa definição não é tão simples como a maioria das pessoas acredita ser.

Segundo o dicionário Aurélio, gênero é: 

“qualquer agrupamento de indivíduos, objetos, ideias, que tenham caracteres comuns”

Mas podemos ser um pouco mais específicos. Segundo a historiadora norte-americana, Joan Scott, podemos definir gênero como:

“um elemento constitutivo das relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos (…) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder.”

A partir dessas duas citações, podemos concluir que gênero é uma construção social, que se baseia nas relações impostas sobre as características de um grupo de indivíduos. Inclusive, essas relações sociais podem mudar de cultura em cultura, e, por isso, cada cultura pode construir seus próprios gêneros.

Não apenas diferentes culturas têm diferentes identidades de gênero, mas uma mesma cultura pode ter diferentes identidades de gêneros com a passagem do tempo. Tudo isso buscando se adaptar às relações entre grupos de indivíduos. 

Um exemplo prático:

Ser um homem no Brasil em 2023 é diferente de ser um homem no Brasil do início do século XIX. Ser uma mulher nos anos 80 nos Estados Unidos é diferente de ser uma mulher nos anos 2000 nos Estados Unidos. Portanto, podemos dizer que o gênero homem e o gênero mulher significam diferentes coisas dependendo da cultura e época em que estamos inseridos.

Como se forma a identidade de gênero?

A identidade de gênero, então, é a noção pessoal que aponta se o papel social que você ocupa é o certo ou não para você. Hoje, muito se questiona sobre como é construída essa identidade:

Será que nascemos já como homem ou como mulher ou essa identidade é formada inteiramente por questões sociais?

A identidade de gênero é complexa e até hoje não se chegou a uma grande conclusão sobre o assunto. Experimentos fracassados (por exemplo, o Caso John/Joan) provaram não ser possível modificar à força a identidade de gênero de uma pessoa.

Além disso, a adequação de pessoas intersexo a um dos sexos binários (masculino/feminino) e posterior socialização dessas pessoas para um dos gêneros binários (homem/mulher) levando em conta apenas a opinião dos pais ou dos médicos é outra prática que nos mostra exatamente essa impossibilidade.

Então, existe alguma predisposição biológica a determinadas identidades de gênero? As evidências continuam poucas. Os resultados mais fortes, porém ainda inconclusivos, são que certos hormônios podem ter algum papel na influência de uma identidade de gênero ser formada nos estágios iniciais da gravidez.

Devido a grande diversidade de identidades de gênero presentes, o que se aponta é que a formação dessa característica humana provavelmente tem mais de um fator envolvido: ela vai além de apenas genes ou hormônios ou outros fatores biológicos e pode ser mais do que apenas influência social.

Gênero e sexo são a mesma coisa?

Não, gênero e sexo NÃO são a mesma coisa. Enquanto o sexo é o conjunto de características biológicas que determina se um indivíduo é macho, fêmea ou intersexo, o gênero diz respeito a questões sociais relacionadas a um grupo de indivíduos com certas características físicas.

A população em geral ainda confunde e utiliza o sexo biológico como forma de predizer a identidade de gênero de uma pessoa, mas muitas vezes essa predição gera resultados errados.

Gênero e orientação sexual são a mesma coisa?

Do mesmo modo, não, gênero e sexualidade são coisas diferentes. A orientação sexual é a atração sexual que alguém sente por outras pessoas. A sexualidade humana pode ser tão diversa e múltipla como o gênero, porém um não significa o outro.

Exemplos:

  • uma mulher (gênero) pode ser heterossexual (sexualidade em que existe atração por pessoas do gênero oposto), pode ser homossexual/lésbica (sexualidade em que existe atração por pessoas do mesmo gênero), etc.
  • um homem (gênero), assim como a mulher, pode ser das mesmas e diversas orientações sexuais: heterossexual, homossexual/gay, bissexual, assexual, etc.

O que são estereótipos de gênero?


Os estereótipos de gênero são determinados comportamentos ou características que se esperam de uma pessoa a partir do gênero que ela tem. Os estereótipos podem afetar qualquer identidade de gênero, sendo ela binária ou não.

Estereótipos de gênero são ruins?

Em sua maioria, esses papéis e obrigações fazem mais mal do que bem, isso porque, a partir de um certo comportamento, aparência ou até mesmo genitália, certas imposições sociais são esperadas. Muitas dessas imposições não são verdadeiras e não têm respaldo biológico nenhum.

Por exemplo, uma mulher muitas vezes ganha menos que um homem pelo simples fato de ser mulher, além de virem estereótipos como:

  • mulheres não são adequadas para trabalhos que envolvem força física; 
  • ou que trabalham menos que homens por serem pessoas que podem gestacionar;
  • ou ainda que mulheres não têm o emocional forte o bastante para ocupar cargos de liderança e em que é preciso se impor.

…Tudo isso acaba entrando em questão. É claro que nenhum desses estereótipos se aplica a toda mulher. Ainda assim, todas elas sofrem com desigualdade nos ambientes profissionais, pessoais e sociais em geral.

Estereótipos de gênero, masculinidade tóxica e saúde

Mas não são apenas as mulheres que sofrem com estereótipos de gênero! Pois é: os homens também sofrem com imposições feitas pela sociedade que quase sempre não têm uma explicação lógica e se perpetuam apenas pela falta de conhecimento e o apego a tradições que não fazem sentido hoje em dia. 

Alguns estereótipos inclusive afetam a saúde física e psicológica dos homens de forma negativa. As crenças mais comuns e nocivas que ainda circulam por aí são:

  • “Homens de verdade não choram”: homens podem e devem chorar quando experimentarem algum sentimento negativo; reter emoções ou sentir vergonha de demonstrar tristeza pode ter impactos negativos na saúde psicológica.
  • “Homens de verdade não tocam no ânus de forma alguma”: é importante que os homens não tenham medo ou nojo de limpar suas partes íntimas, incluindo o ânus; além disso, existem exames que precisam ser realizados através do toque, como, por exemplo, o exame de próstata.
  • “Homens de verdade não cuidam muito da aparência”: homens podem ter zelo com a própria aparência e devem se preocupar em construir uma ótima autoestima.
  • “Quem é homem de verdade não demonstra afeto ou emoções”: não demonstrar afeto nas relações interpessoais pode ter um impacto extremamente negativo nas conexões familiares e amorosas.
  • “Homens de verdade não cuidam da casa ou de afazeres domésticos”: homens devem dividir tarefas e saber sobreviver sozinhos nos dias atuais; mais uma vez, não aprender a desenvolver tarefas básicas pode colocar em risco a integridade física e psicológica.
  • “Homens de verdade não pedem ajuda”: homens podem e devem pedir ajuda quando for necessária, não apenas quando passarem por questões de saúde física, mas também por sentimentos negativos ou questões de saúde psicológica.

Ideologia de gênero existe? O que é? De onde vem esse termo?


“Ideologia de gênero” é um termo utilizado em meios políticos conservadores/de direita para se referir ao ensino de educação sexual em escolas, com a concepção errada de que esse ensino tocará em assuntos como sexualidade ou identidade de gênero de forma coercitiva.

A pauta de educação sexual nas escolas não envolve discutir ou incentivar que crianças mudem suas identidades de gênero, nem incentivar que sigam determinadas sexualidades. Em ambos os casos, não é possível incentivar ou forçar mudanças. Na realidade, a pauta de educação sexual visa ensinar crianças e adolescentes a se protegerem e a protegerem seus corpos de eventuais abusadores ou saberem quando algum ato é ou não abuso, para que possam denunciar o ocorrido.

O que é ser transgênero? 


Uma pessoa transgênero é quem não se identifica com o gênero recebido ao nascer.

Como explicamos, é uma prática comum que um gênero seja associado ao sexo da criança ao nascimento. Existem casos em que o gênero associado ao sexo não é o que aquele indivíduo se identifica — essa é uma pessoa trans.

Pessoas que se identificam com o gênero recebido ao nascer são chamadas pessoas cisgênero (ou apenas cis).

Pessoas trans podem ser binárias (se encaixam nos gêneros feminino ou masculino) ou não-binárias, não se encaixando nos gêneros feminino e masculino. É possível ainda que o gênero se modifique, passando de masculino para feminino ou transitando entre identidades fora do binarismo. Para isso se dá o nome de gênero fluido.

Além disso, as pessoas trans podem ou não realizar procedimentos para se adequar à sua identidade de gênero. É importante deixar claro que não são todas as pessoas trans que escolhem passar por procedimentos para tal, seja por impossibilidade médica, por questões financeiras ou por diversas outras questões que perpassam a sua vivência.

A transgeneridade deixou de ser considerada um transtorno mental pela OMS em 2022 e, no Brasil, o Conselho Brasileiro de Psicologia já orientava os psicólogos a não considerarem a transgeneridade como uma patologia desde 2018. No CID, a transgeneridade passou a se enquadrar no capítulo de condições relacionadas à saúde sexual.

O que leva uma pessoa a ser trans?

Essa questão adentra no mesmo âmbito sobre a formação da identidade de gênero. Não se sabe ao certo se existem fatores biológicos que levam uma pessoa a ser trans ou se esses fatores se misturam com os fatores sociais. 

O que é disforia de gênero? 

A disforia é a aflição, desconforto ou sensação de inadequação relacionada às características do sexo biológico ou às características e relações sociais associadas à identidade de gênero imposta ao nascer.

Essa disforia está presente em muitas vivências de pessoas trans, mas não em todas. Ela pode inclusive estar presente em determinados momentos, mas não na vida inteira de um indivíduo trans. Bem como pode estar associada ao corpo, à autoimagem ou a atividades sociais, comportamentos, etc.

Quando a disforia existe, ela deve ser avaliada e tratada através dos cuidados de afirmação do gênero.

O que são os cuidados para a afirmação do gênero?

Os cuidados para a afirmação do gênero são uma série de procedimentos e terapias utilizadas para que os aspectos biológicos que causam a disforia sejam eliminados ou amenizados. Dentre os procedimentos utilizados para isso estão, por exemplo:

  • Mastectomia, a retirada das mamas para pessoas trans masculinas ou não-binárias;
  • Terapia hormonal com testosterona para pessoas trans masculinas ou não-binárias;
  • Terapia hormonal com hormônios femininos para pessoas trans femininas ou não-binárias;
  • Cirurgia genital afirmativa de gênero (mais conhecida como “cirurgia de redesignação de gênero”), onde os tecidos do pênis são utilizados para construção de uma vagina e vulva e vice-versa; na Faloplastia, por exemplo, os tecidos da vagina e vulva são utilizados para construção de um pênis;
  • Feminização facial, que tornam os traços faciais mais femininos em mulheres trans.

Para as pessoas transmasculinas e não-binárias, uma nova comunidade

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Os desafios para a prestação de serviços de saúde mais inclusiva


Por fim, as questões de identidade de gênero são complexas e, muitas vezes, nem mesmo os ambientes que envolvem a prestação de serviços de saúde estão prontos para atender sem que os estereótipos e papéis de gênero e a falta de conhecimento sobre o assunto influenciam esse atendimento.

Uma consulta inclusiva, que leve em conta a pluralidade de identidades e seja livre de preconceitos é o primeiro passo para que mais pessoas se sintam confortáveis em procurar ajuda médica. Esse é um compromisso que a Omens têm com quem procura a ajuda da nossa equipe médica.

Referências

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