Morte súbita atinge um em cada 16 mil jovens atletas por ano; especialistas defendem exames cardíacos obrigatórios antes de competições
Futebol, vôlei, natação: quando adolescentes começam a praticar esportes no Brasil, a preocupação recai sobre lesões em joelhos, pulsos ou tornozelos. Mas o coração também está em jogo: a parada cardíaca súbita afeta um em cada 16 mil jovens atletas anualmente, sendo a principal causa de morte entre essa população, segundo pesquisas internacionais.
A Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte recomenda que adolescentes em participação competitiva ou atividades de alta intensidade realizem avaliação médico-funcional mais ampla. O protocolo inclui avaliação clínica, composição corporal e testes de potência aeróbica e anaeróbica. O objetivo é detectar problemas como a cardiomiopatia hipertrófica, a principal causa de morte súbita cardíaca em jovens atletas nos Estados Unidos.
Os números observados na Itália e na Suíça mostram que a prevenção funciona. Depois de implementar protocolos estruturados de triagem cardiovascular com eletrocardiograma, a Itália registrou redução de 89% nos casos de morte súbita entre atletas. O eletrocardiograma de 12 derivações apresenta sensibilidade de 94% e especificidade de 93% na identificação de condições cardíacas de risco.
Protocolo para jovens atletas brasileiros
A Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte estabelece quando os jovens necessitam de avaliação prévia. Crianças e adolescentes aparentemente saudáveis podem participar de atividades de baixa e moderada intensidade, lúdicas e de lazer, sem avaliação pré-participação formal, basta que as condições básicas de saúde estejam atendidas.
Já a participação competitiva ou em atividades de alta intensidade exige avaliação médico-funcional, que deve incluir avaliação clínica, análise da composição corporal e testes de potência aeróbica e anaeróbica. O risco de complicações cardiovasculares em crianças é baixo, exceto quando existem cardiopatias congênitas ou doenças agudas não tratadas. Exames pediátricos identificam essas condições antes da participação em atividades de alta intensidade.
A avaliação pré-participação busca garantir uma relação risco-benefício favorável. Leva em conta objetivos individuais, disponibilidade de infraestrutura e presença de pessoal qualificado. Condições clínicas específicas exigem recomendações especiais: asma brônquica, obesidade e diabetes melito devem ser identificadas previamente, como informa a Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte.
Questionário tradicional deixa a desejar
O questionário de 14 pontos recomendado pela American Heart Association é utilizado como método de pré-participação. Sua eficácia, contudo, deixa a desejar: estudos demonstram que esse instrumento apresenta sensibilidade de apenas 18,8% e especificidade de 68% na detecção de fatores de risco cardíacos. A maioria dos casos problemáticos passa despercebida.
O eletrocardiograma de 12 derivações apresenta resultados diferentes. O Comitê Olímpico Internacional e a Sociedade Europeia de Cardiologia o promovem como padrão para avaliação pré-participação. Meta-análises indicam que esse exame apresenta sensibilidade média de 94% e especificidade de 93%, superando o questionário tradicional.
Regiões da Itália e Suíça usam o exame como parte da triagem em massa de adolescentes há quase uma década. Os resultados apontam a redução de 89% nos casos de parada cardíaca súbita. O American College of Cardiology, por outro lado, não recomenda a triagem em massa por meio do eletrocardiograma de 12 derivações. Dois fatores explicam essa posição: a alta taxa de falsos positivos (7%) e a falta de profissionais médicos qualificados para realizar e interpretar os exames em larga escala. Para os pais brasileiros, agendar um cardiologista em São Paulo é uma alternativa em regiões com disponibilidade de especialistas capacitados.
Adolescentes brasileiros estão mais sedentários
A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela que o percentual de adolescentes fisicamente ativos despencou de 43,1%, em 2009, para apenas 18,2%, em 2019. Apenas 28,1% dos estudantes brasileiros de 13 a 17 anos praticaram 300 minutos ou mais de atividade física na semana anterior à última pesquisa.
O Ministério da Saúde estabelece que pessoas de 6 a 17 anos devem praticar 60 minutos ou mais de atividade física por dia. A intensidade precisa aumentar respiração e batimentos cardíacos. Para fortalecimento muscular e ósseo, a recomendação é de, pelo menos, três dias na semana com atividades como saltar, puxar ou empurrar.
Dados da Sociedade Brasileira de Cardiologia mostram que a hipertensão arterial afeta até 8,2% das crianças e dos adolescentes brasileiros. Estudos encontraram prevalência de colesterol elevado em 35% dos escolares. A Sociedade Brasileira de Pediatria aponta que a prevalência de excesso de peso nessa população varia de 11,6% a 38,5%.
O relatório para o Departamento de Prevenção e Promoção da Saúde, publicado em 2024 e voltado para a atividade física para crianças e adolescentes, destaca que as práticas de atividade física contribuem para reduzir riscos à saúde e melhorar a qualidade de vida. Os benefícios incluem saúde cardiovascular, condição física, humor e sintomas de ansiedade e depressão. O documento é assinado pela Fiocruz Brasília, o Instituto de Saúde de São Paulo e a Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.

